No Centenário do seu nascimento
«QUANDO
HÁ TRINTA ANOS...»
Quando
há trinta anos comecei a publicar,
tentaram
assassinar-me com o hermetismo.
Depois,
quando se soube que eu sabia inglês,
com
insinuações de que eu copiava o Eliot.
A
seguir, como eu fazia crítica, tentaram
uma
outra táctica: a de louvar-me
a
crítica para diminuir a poesia
ou
vice-versa. Quando publiquei Pessoa
passei
a ser discípulo de Pessoa. Mas,
logo
que foi público que eu estudava o Camões,
a
crítica notou logo a camonidade dos meus versos.
Já
fui mesmo dado como discípulo
do
Padre José Agostinho de Macedo
E
sou clássico, barroco, romântico,
discursivo,
surrealista, anti-surrealista,
obnóxio,
católico, comunista,
conforme
as raivas de cada um.
Tem
havido também outros jogos: por exemplo,
convidar
- com êxito - os meus amigos
a
colaborar nas revistas a que me convidam,
suprimir-me
em antologias ou referências,
ou
só incluir-me nelas com discretos insultos.
Como
nada disto funcionava, aplicaram
o
tratamento do silêncio, só quebrado
por
alguns palhaços demasiado ingénuos nas suas fúrias.
Também
não deu resultado. Então
vieram
das Casbahs ordens expressas
para
um ataque geral. Todos os meus amigos
e
admiradores estão compungidíssimos,
mas
nenhum se atreve a abrir a boca,
tal
é o medo que têm à galfarraria à solta.
Já
vi desfeito em baba de doença
o
primeiro crítico, o de hermetismo,
que
não era má pessoa. Os outros
é
fácil saber em que hão-de acabar,
se
não os vir, como já vi alguns,
transformarem-se
com o tempo em meus
amigos
e admiradores, ou em altos funcionários,
distraídos
felizmente do exercício das letras.
Não
é propriamente que eu seja a caravana
e
aquela tropa os cães das gerações
Oh
não. Nem eu camelo, nem eles só cães.
Siamo
tutti portoghesi, tutti portoghesi -
-
n'est-ce pas (na língua nacional dos litras)?
14/Dez./71
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