13/06/22

Fernando Pessoa nasceu há 134 anos, em Lisboa
     

Da mais alta janela da minha casa
[sem data]

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor
        
Nem o rio esconder que corre,                                                      
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

Destacado e nítido: Fernando Pessoa, Lisboa, Editora Manufatura, 2020, p.347-348.


                                                (por Almada Negreiros)

De aqui a pouco acaba o dia
[31-8-1930]

De aqui a pouco acaba o dia.
Não fiz nada.
Também, que coisa é que faria?
Fosse o que fosse, estava errada.

De aqui a pouco a noite vem.
Chega em vão
Para quem como eu só tem
Para o contar o coração.

E após a noite a irmos dormir
Torna o dia.
Nada farei senão sentir.
Também que coisa é que faria?

Destacado e nítido: Fernando Pessoa, Lisboa, Editora Manufatura, 2020, p.150

4 comentários:

  1. Personalidade ímpar da literatura portuguesa; justificando ser sempre relembrado... boas leituras...

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    1. Sem dúvida!
      Fernando Pessoa foi multifacetado e dificilmente existirá outro igual ou tão pouco parecido!

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  2. Obrigada por estes dois poemas que não conhecia. E quanto melhor o conheço mais gosto dele.
    Como vai a leitura da Biografia?
    Um abraço, Cláudia, e bom feriado.
    🌻

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    1. Maria,
      O nosso "Fernandinho" não deixa de nos surpreender!! Era brilhante, sem dúvida!
      Quanto à leitura da biografia, diariamente leio mais umas páginas; sempre com grande entusiasmo, para saber um pouco mais e surpreender-me mais ainda! Mas até estou a ler a um bom ritmo...
      Bom feriado, Maria! Ou o que resta dele. 😉

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