05/12/25


História do Batel Vai com Deus
e da sua Companhia

         Sendo Portugal um país de costa, terra que o oceano embala, raras são na nossa literatura as obras que tratam do mar e dos seus homens, os pescadores. Porquê? Em primeiro lugar o decoro é formidável - mas monótono; depois os homens são, é certo, cheios de poesia - mas humildes. A vida dos pobres, rude, obscura, dolorosa, é como a vida da terra que calcamos, grande, ignorada, simples e sem gritos. Não há gestos, nem largas dores românticas a explorar: é um veio de emoção profunda - uma torrente de lágrimas.
      E que cenário este, o Mar! Duas cores, três linhas simples e sóbrias, e no entanto que grandeza! A certas horas como é de pó verde, infinito, vago, como um etéreo sonho todo verde; a outras - poentes de verão - di-lo-eis de oiro liquido refervendo...
      Desde pequeno que o conheço; muitos dos meus morreram, para sempre tragados pelo mar salgado; longe, por mais longe que eu esteja, ouço a voz rouca, com que de inverno prega, clama, esverdeado, bramindo cóleras ou o ruído com que de verão embala banzeiro e azul, a penedia da costa.

Raul Brandão - Lume sob Cinzas. Porto: Ambar, 2006, pp. 23-24.

No dia em que passam 95 anos da morte de Raul Brandão (1867-1930).

5 comentários:

  1. A melhor maneira de homenagear um escritor, é lembrar a sua obra e lê-lo. E, Raul Brandão escreveu algumas das mais belas páginas da nossa literatura. Como em Húmus ou nas próprias Memórias ou ainda nos Pescadores.

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  2. Ou ainda nas Ilhas Desconhecidas, que adorei ler, ou não adorasse eu tudo o que aos Açores diz respeito...

    Um abraço literário, Cláudia🤗📚

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    1. Maria,
      Muito bem lembrado - As Ilhas Desconhecidas! Mais uma belíssima obra. Nunca li o teatro de Raul Brandão.
      Um abraço.🤗

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  3. Uma das múltiplas razões de peso por que não se pode deixar de (re)ler RAUL BRANDÃO (Foz do Douro, 12.3.1867 - Lisboa, 5.12.1930), reside na relevante dimensão memorialística da sua Obra, de reconhecido mérito [cf. José CASTELO BRANCO CHAVES, "Memorialistas Portugueses" (ed. do Inst. de Cultura Portuguesa, 1978), p. 17].

    Convém recordar, a este propósito, que a especial sensibilidade humana do Autor de "Os Pescadores" não esqueceu, por exemplo, o "perfil" muito peculiar de Aníbal FERNANDES TOMÁS (1849 - 1911), um bibliógrafo que a própria investigadora CAROLINA MICAËLIS de Vasconcelos considerava um "bibliófilo" de primeira grandeza.

    Vale a pena, por isso, prestar-lhe a simbólica e, sobretudo, devida homenagem, relembrando aqui algumas palavras do 1.º Vol. das "MEMÓRIAS" [ed. Renascença Portuguesa, 1919], pp. 90-91, que RAUL BRANDÃO escreveu na fase terminal (ano de 1911) da vida de Aníbal FERNANDES TOMÁS:

    "[Janeiro] Passei a noite de ontem em casa de Fernandes Tomás, um velho bibliófilo, coleccionador de autógrafos, de livros raros, de gravuras antigas. (...) Eis enfim um homem feliz, suponho eu, entre as estantes que revestem os muros, como a traça entre as folhas dum pergaminho. (...) / À roda, muitos documentos, alfarrábios, calhamaços preciosos. São duas, três salas catalogadas, onde tem livros e papéis por toda a parte. (...)"

    "[1 de Fevereiro] Venho de casa de Fernandes Tomás. Teve um ataque apopléctico. Está hemiplégico, deitado num sofá, sonolento e trémulo. Nunca encontrei bibliófilo que tivesse prazer em indicar, em ensinar, senão este... É outro homem adorável que morre, mas, felizmente, não sabe que morre. À beira do túmulo ainda pede que lhe arranje um catálogo da guerra peninsular. (...)"

    (Recorde-se, apenas a título de curiosidade, que o conceituado erudito era familiar de um outro ilustre cidadão Figueirense, o "libertador" Manuel FERNANDES TOMÁS, um dos principais redactores da "Constituição" de 1822.)

    Um bom fim-de-semana (cultural e literário) para todo(a)s!

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    1. Prezado Fernando Firmino,
      Grandes nomes que refere, para além do homenageado: Aníbal Fernandes Tomás, Manuel Fernandes Tomás e Carolina Michaelis de Vasconcelos.
      Muito haveria para escrever!
      Votos de boa semana!

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