16/05/13

Traços Psicológicos

"Nunca senti sauda­des da infância; nunca senti, em verdade, saudades de nada. Sou, por índole, e no sentido directo da palavra, futurista. Não sei ter pessimismo, nem olhar para traz. Que eu saiba ou repare, só a falta de dinheiro (no pró­prio momento) ou um tempo de trovoada (enquanto dura) são capazes de me deprimir. Tenho, do passado, somente saudades de pessoas idas, a quem amei; mas não é a saudade do tempo em que as amei, mas a saudade d'ellas: queria-as vivas hoje, e com a idade que hoje tivessem, se até hoje tivessem vivido. O mais são attitudes literárias, sentidas intensamente por instincto dramático, quer as assigne Álvaro de Campos quer as assigne Fernando Pessoa. São sufficientemente represen­tadas, no tom e na verdade, por aquelle meu breve poema que começa: «Ó sino da minha aldeia...». 
O sino da mi­nha aldeia, é o da Egreja dos Martyres, ali no Chiado. A aldeia em que nasci foi o Largo de S. Carlos, hoje do Directório, e a casa em que nasci foi aquella onde mais tarde (no segundo andar; eu nasci no quarto) haveria de installar-se o Directório Republi­cano. (Nota: a casa estava comndenada a ser notável, mas oxalá 4.º andar dê melhor resultado que o 2.º). 

Carta de Fernando Pessoa a  João Gaspar Simões, em 11-12-1931.

7 comentários:

  1. Gostei muito de ler esta carta.

    Beijinhos. :)

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  2. Um mundo maravilhoso que apresenta mas...
    Beijinhos.

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  3. Ana, nesta carta, Fernando Pessoa é muito ele! Aliás, como era sempre...
    Com um conhecimento muito lúcido dele mesmo!
    Esta é uma das características que mais admiro nele...

    Um beijinho.:))

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  4. Isabel, achei esta carta curiosa...
    Quase parece a página dum diário!

    Beijinhos.:))

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  5. Um brincalhão este Pessoa, como sempre, com estas suas voltas de gato e rato com o real e a imaginação. Obrigado pela divulgação Cláudia!

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  6. Nuno Meireles, sei que é um admirador de Pessoa. Aliás, já tive o privilégio de o ouvir declamar...:))

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