Da mais alta janela da minha casa
[sem data]Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Destacado e nítido: Fernando Pessoa, Lisboa, Editora Manufatura, 2020, p.347-348.
[31-8-1930]
De aqui a pouco acaba o dia.
Não fiz nada.
Também, que coisa é que faria?
Fosse o que fosse, estava errada.
De aqui a pouco a noite vem.
Chega em vão
Para quem como eu só tem
Para o contar o coração.
E após a noite a irmos dormir
Torna o dia.
Nada farei senão sentir.
Também que coisa é que faria?
Destacado e nítido: Fernando Pessoa, Lisboa, Editora Manufatura, 2020, p.150
Personalidade ímpar da literatura portuguesa; justificando ser sempre relembrado... boas leituras...
ResponderEliminarSem dúvida!
EliminarFernando Pessoa foi multifacetado e dificilmente existirá outro igual ou tão pouco parecido!
Obrigada por estes dois poemas que não conhecia. E quanto melhor o conheço mais gosto dele.
ResponderEliminarComo vai a leitura da Biografia?
Um abraço, Cláudia, e bom feriado.
🌻
Maria,
EliminarO nosso "Fernandinho" não deixa de nos surpreender!! Era brilhante, sem dúvida!
Quanto à leitura da biografia, diariamente leio mais umas páginas; sempre com grande entusiasmo, para saber um pouco mais e surpreender-me mais ainda! Mas até estou a ler a um bom ritmo...
Bom feriado, Maria! Ou o que resta dele. 😉