19/01/22

 Eugénio de Andrade (1923-2005)

                                                        Eugénio de Andrade por Júlio Pomar (1951)


O Porto

O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde, forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas palavras, sem outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar.

O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos dos velhos, que a certas horas atravessam a rua para passarem os dias no café em frente, os olhos vazios, as lágrimas todas das crianças de S. Victor correndo nos sulcos da sua melancolia.

O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo metodicamente a ser árvore, aproximando-me assim cada vez mais da restolhada matinal dos pardais, esses velhacos que, por muito que se afastem, regressam sempre à minha vida.

Desentendido da cidade, olho na palma da mão os resíduos da juventude, e dessa paixão sem regra deixarei que uma pétala poise aqui, por ser de cal.

Porto, Campo das Letras, 1998. Eugénio de Andrade: o amigo mais íntimo do sol, p. 95.

Há 99 anos, nasceu em Póvoa de Atalaia, Fundão, Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas.

2 comentários:

  1. Uma bela escolha, para um grande Poeta.
    Bom dia.

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    Respostas
    1. Obrigada!
      Eugénio de Andrade não deve e não pode ser esquecido!
      Bom dia.

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