Eugénio de Andrade (1923-2005)
Eugénio de Andrade por Júlio Pomar (1951)
O Porto
O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde, forrar-me de silêncio e procurar trazer à tona algumas palavras, sem outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar.
O Porto é só esta atenção empenhada em escutar os passos dos velhos, que a certas horas atravessam a rua para passarem os dias no café em frente, os olhos vazios, as lágrimas todas das crianças de S. Victor correndo nos sulcos da sua melancolia.
O Porto é só a pequena praça onde há tantos anos aprendo metodicamente a ser árvore, aproximando-me assim cada vez mais da restolhada matinal dos pardais, esses velhacos que, por muito que se afastem, regressam sempre à minha vida.
Desentendido da cidade, olho na palma da mão os resíduos da juventude, e dessa paixão sem regra deixarei que uma pétala poise aqui, por ser de cal.
Porto, Campo das Letras, 1998. Eugénio de Andrade: o amigo mais íntimo do sol, p. 95.
Uma bela escolha, para um grande Poeta.
ResponderEliminarBom dia.
Obrigada!
EliminarEugénio de Andrade não deve e não pode ser esquecido!
Bom dia.